quinta-feira, 12 de julho de 2012

Rogério Frediani Condenado Por Improbidade Administrativa

Processo Nº 642.01.2009.006499-5
Texto integral da Sentença
VISTOS E EXAMINADOS estes autos de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, processo nº 1342/09 proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face de ROGÉRIO FREDIANI. O MINISTÉRIO PÚBLICO ajuizou a presente ação de improbidade administrativa, alegando, em síntese, que o requerido, na época Presidente da Câmara Municipal de Ubatuba, realizou contratações por meio das Cartas Convites n° 09/03 e 14/03, que tinham por objeto a transmissão das sessões da Câmara dos Vereadores e a locação de veículos, as quais, contudo, conforme anotado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, apresentaram diversas irregularidades tais como: ausência de pesquisa de mercado para comprovação dos preços licitados; inobservância ao artigo 22, §7º, da Lei n° 8.663/98; a associação contratada, por não ter fins lucrativos, estaria impedida de assumir compromisso comerciais; a concorrência ser desleal, uma vez que a associação contratada, por ser declarada de utilidade pública, está isenta da incidência de todos os impostos; das três empresas convidadas uma não pertencia ao ramo de locação de veículo, havendo violação ao artigo 22, §3º, da Lei de Licitações. Em razão destas irregularidades, houve afronta aos princípios constitucionais e a Lei de Licitações. Ao final, requer a condenação do requerido às sanções previstas no artigo 12, inciso III, da Lei n° 8.429/92. Juntou documentos de fls. 28/425. Devidamente notificado, a teor do estabelecido no artigo 17, §7º, da Lei n° 8.429/92, o réu apresentou sua manifestação as fls.430/434, sustentando a preliminar da prescrição. Quanto ao mérito propriamente dito, diz não ter restado configurado qualquer das hipóteses previstas em lei, razão pela qual pugna pelo não recebimento da exordial. Juntou documentos de fls.436/553. Manifestação do Ministério Público a fls.554v. Após, foi proferida decisão a fls.556, ocasião em que foi afastada a alegada prescrição, bem como recebida a petição inicial sendo determinando em seguida, a citação do réu. Com a citação, o réu apresentou sua defesa (fls.564/582), ocasião em que arguiu as preliminares de nulidade da citação, vez que não houve intimação do defensor acerca do recebimento da inicial; inépcia da inicial, ante a ausência de descrição da conduta ilícita praticada pelo réu. Quanto ao mérito, aduziu que as apontadas irregularidades já foram sanadas, conforme destacado pelo Tribunal de Contas, inexistindo prejuízo ao erário público. Alegou ainda que a inicial não descreveu nenhum comportamento doloso ou fraudulento por parte do réu, pressuposto este imprescindível para aplicação das sanções impostas pela Lei de Improbidade. Ao final, requereu a improcedência da ação, bem como a condenação do Ministério Público as penas de litigância de má-fé. Réplica a fls.598/603. É O RELATÓRIO. DECIDO. Em condições o feito de receber julgamento, na forma do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, sendo prescindível a produção de outras. As preliminares não merecem prosperar. Isto porque, não apenas o réu foi citado e intimado pessoalmente sobre a decisão de recebimento da inicial (fls.562), como seu defensor foi devidamente intimado pela Imprensa Oficial (fls.557). No mais, o pedido é certo e determinado, possibilitando o amplo exercício da defesa por parte do requerido, o qual expôs suas razões em extensa peça contestatória. No mérito, a ação será julgada parcialmente procedente. O princípio da legalidade previsto no artigo 5º da Constituição Federal é aplicado normalmente na administração pública, porém, de forma mais rigorosa. Desta forma, ao particular tudo é permitido fazer, desde que a lei não proíba. Entretanto, tal premissa não se aplica quando estamos diante dos atos praticados pela Administração Pública, que somente pode agir desde que haja previsão legal. Assim, até mesmo os atos discricionários possuem como limite a própria lei, pois a administração atua sem finalidade própria, mas em respeito à finalidade imposta pela lei, preservando-se assim, a ordem jurídica e o interesse público. No caso vertente, conforme parecer exarado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o requerido, na época Presidente da Câmara do Município de Ubatuba, deixou de observar a aplicação de dispositivos legais previstos na Lei de Licitação concernente às Cartas Convites números 09/03 e 14/03, cujos objetos se referiam, respectivamente, à contratação de serviços de radiofusão para transmissão das sessões ordinárias da Câmara Municipal e locação de veículos. Com relação à Carta Convite n° 09/2003, segundo o apontado pelo Tribunal de Contas, foram constatadas as seguintes irregularidades: a) ausência de pesquisa de mercado para comprovação dos preços dos serviços licitados; b) somente uma das empresas convidadas apresentou proposta, o que sem as devidas justificativas seria motivo para a repetição do certame, nos termos do artigo 22, §7º, da Lei n° 8.666/98; c) a rádio contratada, por ser comunitária, deveria operar em baixa freqüência e em cobertura restrita; c) a rádio contratada, por não ter fins lucrativos, não poderia assumir compromissos de natureza comercial. Analisemos cada item. Segundo dispõe o artigo 43, inciso IV, da Lei de Licitações: “A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços concorrentes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-lhe a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis”. A necessidade de apresentação de pesquisa de mercado acerca do objeto a ser contratado viabiliza a análise da melhor proposta apresentada, trazendo uma maior transparência aos atos administrativos ditados, ante a possibilidade de comparativo com outras empresas do ramo. No entanto, ao contrário do estabelecido em lei, tal pesquisa não foi elaborada, o que inviabiliza a análise se de fato foi ou não escolhida a melhor proposta para a edilidade. Mas não é só. Das três empresas convidadas, uma delas, a RÁDIO GAIVOTA, por ser uma rádio Comunitária e entidade civil sem fins lucrativos, conforme estatuto social de fls.150/161, estaria impedida, nos termos do artigo 11 da Lei n° 9.612/98, de firmar compromissos de natureza comercial, sendo inclusive, conforme dispositivo contido no artigo 19 da referida lei, proibida de ceder o horário de sua programação. Assim, tal emissora jamais poderia ser convidada para o certame, até porque, por ser isenta de todos os impostos municipais, a concorrência com as demais convidadas se tornou desleal, em evidente afronta ao dispositivo previsto no artigo 3º, §1º, da Lei de Licitação. Outra irregularidade constatada se deu ao fato de inexistir justificativa que dispensasse a repetição do certame, conforme exige o artigo 22, §7º, da Lei n° 8.666/93.
Neste contexto, tem-se que a Carta Convite n° 09/2003 foi realizada em desacordo com a legislação que rege a matéria. No mesmo sentido se deu com relação à Carta Convite n° 14/2003. Segundo constatado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a Carta Convite n° 14/2003 apresentou as seguintes irregularidades: a) ausência de pesquisa de mercado para comprovação dos preços dos serviços licitados; b) das três empresas convidadas, uma não pertencia ao ramo de locação de veículos, violando o comando inserido no artigo 22, que exige o mínimo de três interessados do ramo pertinente. O primeiro item já foi objeto de análise. Quanto à segunda irregularidade apontada, verifica-se que de fato não foi observado o artigo 22, §3º, da Lei de Licitação, que exige o mínimo de três interessados do ramo pertinente ao objeto contratado. Segundo se denota no documento de fls.396, a empresa convidada pertencia ao comércio varejista de bebidas, em total dissonância com o objeto a ser contratado. A segunda questão que se deve ponderar é se em razão destas ilegalidades, o réu, na qualidade de chefe do Poder Legislativo, praticou ou não atos de improbidade administrativa. Consoante estabelece o artigo 11 da Lei n° 8.429/92, “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:...” Note que, o presente artigo não encerra em seus incisos uma enumeração fechada, havendo possibilidade de tipificação de outras condutas como ato de improbidade administrativa, desde que haja congruência com os elementos do tipo previstos no caput do artigo. Para a tipificação da conduta no referido artigo, é necessário que o agente tenha agido de forma ilícita e com dolo, independente da efetiva ocorrência de dano concreto ao erário. Na modalidade comentada está prevista tão somente a conduta comissiva ou omissiva DOLOSA, ou seja, o comportamento consciente do agente público com o objetivo deliberado de praticar qualquer ato que importe em violação de qualquer dos deveres decorrentes de princípios administrativos. No caso em apreço, restou comprovado ter o réu agido com dolo, já que por ser Presidente da Câmara Municipal na época dos fatos, tinha a obrigação funcional e ética de primar pelos princípios administrativos e assegurar a aplicação da lei para que fossem tomadas as medidas necessárias, visando a edição dos atos administrativos pertinentes e legais. Cumpre frisar que as irregularidades apontadas não podem ser consideradas de somenos importância, mas de extrema gravidade ante o total desrespeito à legislação vigente. Note que ao contrário do afirmado pelo requerido, o Tribunal de Contas apenas considerou sanável a irregularidade atinente ao recebimento indevido de subsídios por parte do requerido, notificando-o a providenciar o ressarcimento aos cofres públicos (fls.515/516), julgando irregulares as contas referentes ao exercício de 2003, incluindo-se nesta as irregularidades das cartas convites. Neste diapasão, não resta alternativa, senão a aplicação da lei, com as sanções nela cominadas. Por outro lado, em que pese a configuração de ato de improbidade administrativa praticado pelo requerido, a aplicação cumulativa das penalidades previstas no artigo 12, inciso III, da Lei n° 8.429/92 se mostra desproporcional diante do ato ilícito praticado, devendo ter sua aplicabilidade mitigada. Assim, nos termos do parágrafo único do citado artigo, cabe ao Magistrado no momento da aplicação aferir a culpabilidade do réu, a gravidade de sua conduta e o dano causado ao erário, tudo em conformidade com o princípio da individualização da pena previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Segundo ensinamento de FABIO MEDINA OSÓRIO, “há casos em que um único ato de improbidade, isoladamente, não justifica a perda do cargo pelo agente político, eis que o dano maior, nesse caso, ficaria do lado da sociedade, a qual teria escolhido seu representante legal e teria a sua vontade substituída pela vontade do julgador”, e que, portanto, “há de se analisar o fato no contexto social e político, extraindo as conseqüências adequadas e proporcionais”. Afinal, como bem sustenta, “chama-se atenção, nesse contexto, para o denominado princípio da proporcionalidade na interpretação e aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais, o qual já resulta agasalhado pela ordem constitucional pátria” (Improbidade Administrativa – Observações sobre a Lei n° 8.429/92 – pag.263/280). Favoráveis à mitigação também se posicionam MARINO PAZZAGLINI FILHO, MÁRCIO FERNANDES ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO JÚNIOR, “em cada caso, observados os nortes legais, o órgão judiciário poderá deixar de aplicar uma ou outra entre as sanções previstas para a improbidade administrativa”, sendo inclusive, “em alguns casos não poderá aplicá-las todas, tais sejam os exemplos dos senadores e deputados, aos quais não poderá impingir a perda da função pública, como já visto. Em outras hipóteses, tendo em vista o caráter diminuto da lesão gerada ou a pequena gravidade da conduta ímproba, não terá nenhum sentido a aplicação de todas as sanções cabíveis, posto que se estaria equiparando o réu a outrem, sujeito ativo de improbidade mais graves” (Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, pag. 212). MARCELO FIGUEIREDO, da mesma forma, entende que, “é de se afastar a possibilidade de aplicação conjunta de penas em bloco obrigatoriamente”, pelo fato de que,”ante a ausência de dispositivo expresso que determine o abrandamento ou as escolhas das penas qualitativa e quantitativamente aferidas, recorre-se ao princípio geral da razoabilidade, ínsito à jurisdição (acesso à Justiça e seus corolários). Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a conduta do agente público em face da lei e verificar qual das penas é mais ‘adequada’ em face do caso concreto” (probidade Administrativa – Comentários à Lei n° 8.429/92 e Legislação Complementar) – 4ª edição, pag. 114/115). Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Cumulações - Sanções.Os recorrentes buscam a reforma do acórdão do TJ-SP para julgar improcedente a ação civil pública alegando contrariedade aos artigos 11 e 12 da Lei nº 8.429/1992. Pretendem, ainda, que seja afastada a aplicação das penas de forma cumulada, em razão do princípio da proporcionalidade. O Min. Relator entendeu que devem ser providos os recursos especiais para que seja afastada a pena de suspensão dos direitos políticos, porém manteve a sanção de ressarcimento ao erário. Aduziu que o artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/1992, fundado no princípio da proporcionalidade, determina que a sanção por ato de improbidade seja fixada com base na "extensão do dano causado" e no "proveito patrimonial obtido pelo agente". No caso, o dano causado aos cofres municipais é de pequena monta, já que se trata de ação civil pública por ato de improbidade decorrente da acumulação indevida de cargo e emprego públicos. E, também, o acórdão recorrido reconheceu não haver "indícios de que o agente tenha obtido proveito patrimonial". Não devem ser cumuladas as sanções por ato de improbidade se for de pequena monta o dano causado ao erário público e se o agente não obteve proveito patrimonial com o ato. Com esse entendimento, a Turma conheceu em parte dos recursos e deu-lhes provimento também em parte. Precedente citado: REsp 300.184-SP, DJ 3/11/2003.
(STJ - REsp. nº 794.155 - SP - Rel. Min. Castro Meira - J. 22.08.2006).
 Neste contexto, considerando a ausência de prova que demonstre a ocorrência de efetivo dano ao erário e obtenção de proveito patrimonial por parte do réu, justo se mostra, em razão da inobservância ao princípio da legalidade apto a configurar ato de improbidade, a aplicação de multa civil no valor equivalente a dez vezes o valor da remuneração percebida à época dos fatos, na qualidade de Presidente da Câmara do Município de Ubatuba. PELO EXPOSTO e de tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIAMENTE PROCEDENTE a ação, reconhecendo a incidência do réu na disposição do artigo 11, “caput” e 12, inciso III, todos da Lei 8.429/92, condenando-o ao pagamento de multa civil no valor equivalente a dez vezes o valor da remuneração percebida à época dos fatos, na qualidade de Presidente da Câmara do Município de Ubatuba, devidamente atualizados pelos índices previstos na Tabela do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, devendo incidir juros de 1% ao mês, a partir desta decisão. Diante da sucumbência mínima, condeno o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil. Por fim, JULGO EXTINTO O PROCESSO COM JULGAMENTO DE MÉRITO, nos termos no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. P.R.I. Ubatuba, 11 de maio de 2011. Daniela Pazzeto Meneghine Conceição Juíza de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário